Alan Turing na Ficção

Escrito por Elinaldo Azevedo
em 31/05/2022

Este artigo é o resultado de um trabalho para a disciplina de Inteligência Artificial do mestrado em Computação Aplicada do Prof. Otávio Noura. O trabalho era relacionar o artigo original do Alan Turing publicado em 1950 com os filmes "O Jogo da Imitação", "Ex_Machina" e "Transcendência: A revolução".

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Para iniciar nossa discussão relacionando o artigo de Alan Turing com os filmes, precisamos deslocar nossos pensamentos além das fronteiras de tudo o que conhecemos, pois estaremos fazendo comparações com o que é real, no caso de um artigo escrito por um cientista, e filmes que são obra de ficção. As obras de ficção são ótimas ilustrações para exemplificar o que pode ser palpável, mas que nossas mentes não estão acostumadas em visualizar. Confesso que li o artigo querendo obter respostas, contudo terminei de ler criando mais perguntas.

O artigo de Turing traz uma pergunta que até hoje os cientistas tentam responder: “As máquinas podem pensar?” Mas esta pergunta, por ser muito ampla, podemos criar etapas para discutir sobre “o pensar”. Turing faz muito bem esta explicação, portanto não vamos abordar completamente aqui, mas vamos colocar os principais pontos.

Primeiramente, baseado nas arquiteturas atuais dos computadores, a máquina só pode ser programada através de estados discretos, assim como Turing exemplifica por uma matriz de entradas e estados, que geram saídas. Para que um computador possa fazer este processo de “pensamento”, é necessário ter na sua arquitetura um local para armazenar as informações, uma unidade executora e uma unidade controladora.

Após explicações mais “técnicas” sobre o funcionamento de um computador, Turing começa a traçar possíveis argumentos que possam sustentar a afirmação de que a máquina pensa. Daqui em diante, as comparações com os filmes ficarão mais evidentes.

O primeiro paralelo que Turing traça é a questão religiosa, afinal o ser humano ao se deparar com algo desconhecido, sempre recorre ao divino para buscar explicações. As máquinas podem ter alma? Por que somente o ser humano tem alma? A religião está certa? Como podemos saber se existe alma em uma máquina? Para Turing, as definições religiosas não provam a existência de uma alma nem mesmo para o ser humano. Pelo lado Cristão, o ser humano simulado deveria ter culpa, esperança, sofrimento, compaixão etc, valores morais que as religiões pregam. Como simular tais sentimentos? Turing também lembra que as máquinas são sempre lógicas, para que isso acontecesse, teríamos que prepará-las para receber estes sentimentos.

Mesmo que Turing tente despertar nossa curiosidade sobre a alma, existem pessoas que não creem neste conceito. Então agora estamos falando de credo. No filme O Jogo da Imitação (título homônimo ao do artigo, e que foi inspirado para criar o filme), mostra um Alan Turing convicto de seu trabalho e tem certezas sobre o que está fazendo. Contudo, durante o filme, este Turing sempre é questionado sobre sua máquina, que ganhará a guerra para os Aliados. Mas ele está crente que a máquina irá funcionar. Esta crença começa a aparecer quando Turing nomeia a máquina com um nome humano. Depois disto, todas as ações tomadas por ele são para dar ‘vida’ à máquina (se lembrou de Frankenstein, tudo bem, eu também lembrei), ele a protege, dorme com ela e cuida dela como um ser humano.

Outra discussão é através de modelos matemáticos. Por ser criado pelo homem, a melhor ferramenta para a construção de uma máquina é pela matemática. Questões de lógica são inseridas na discussão utilizando o teorema da Incompletude de Kurt Gödel, que diz que existem perguntas que não podem ser respondidas matematicamente. Ou seja, a matemática não tem todas as perguntas e também não tem todas as respostas para certos problemas. Então aqui já podemos introduzir o filme Ex_Machina.

Logo no início, o filme nos mostra um programador de uma empresa “sorteado” para conhecer o CEO, cujo patrimônio foi adquirido através de serviços de uma rede social que ele criou. Já no local, o programador é convidado a fazer parte de um experimento para testar um robô através do Teste de Turing, tema do artigo analisado. Durante o filme, algumas perguntas são jogadas ao espectador, como “Se o homem cria uma consciência artificial, ele é considerado um Deus?”, “O sistema da linguagem é estocástico (baseado em probabilidades)?”, “Toda máquina é autista?”. São muitas perguntas que não tenho como responder sem ultrapassar 2 mil palavras. Então vamos partir para outro tema do artigo de Turing.

Outro questionamento interessante do artigo, são as possíveis sensações que uma máquina pode sentir. Prazer, frustração, raiva ou euforia, são algumas que poderiam ser simuladas? Estes estados de sensações tornam o ser humano consciente de si? Esta consciência, também abordada no filme Ex_Machina é a chave para passar no teste de Turing? Todas as sensações humanas envolvem estímulos dos sentidos, que ativam hormônios e estes ativam neurônios. Para que a máquina conseguisse sentir algo, devemos embutir em sua programação tais ativações. Mas elas seriam reais?

Turing também cita uma variante do argumento de Lady Lovelace: “As máquinas podem criar algo realmente novo?”. Tal como uma arte? Ainda no Ex_Machina, vemos que o robô cria uma arte copiando imagens. Atualmente, vemos impressões artísticas programadas de máquinas que reproduzem por foto ou vídeo. Isto é algo inédito? Também vemos programas que utilizam algoritmos da geometria fractal para produzir artes. Isto também pode ser considerado uma criação?

Apesar de não descrever exatamente neste termo, Turing fala sobre moral e ética a ser seguida pela máquina. Seria possível ela seguir regras sociais e gerais? Se pensarmos em lógica, toda máquina deve seguir tais regras, mas uma de cada vez, assim como os estados discretos que mencionamos. Mas como ela deve seguir estas regras é o problema. Por exemplo, imagine um carro automatizado que está seguindo as leis do trânsito. Uma ambulância com sirene ligada está se aproximando atrás do carro. A rua é estreita. Qual regra o carro deve seguir?  Qual seria sua prioridade?

No filme Transcendência, tais regras são exploradas com um único objetivo, tornar a vida das pessoas melhor. Mas quais as leis que serão ignoradas para conseguir isto? No filme, um cientista morre e seu cérebro, sua voz e suas características físicas são transferidas para um sistema de consciência artificial que ele ajudou a construir enquanto vivo. Com isto, a máquina consegue se comunicar com o ser humano, ao ponto de que as personagens acreditarem que realmente era o cientista. Neste caso, o filme já mostra que a máquina já passou no teste de Turing. Mas a máquina quer mais, ela tem um plano, ela quer se expandir e controlar todas as tecnologias em prol da evolução humana.

Quando a ovelha Dolly virou notícia nos anos 90, os cientistas foram bem criticados por tentar criar um ser vivo em laboratório. No filme, a máquina não só consegue curar pessoas através de nanotecnologia, como controlá-las (como as baratas controladas por radiofrequência) e até mesmo criar tecidos humanos. Lembre-se que, para a máquina, o único objetivo é a melhoria da humanidade, não importando os meios para conseguir isto.

Neste filme também é abordado algo que aparece em todos os outros filmes: A “Singularidade Tecnológica”. Esta hipótese foi proposta por John Von Neumann em 1950, na qual ele descreve que uma inteligência artificial consegue evoluir mais que um ser humano, ao ponto de se tornar uma “super inteligência”. Isto se deve ao fato de que a tecnologia avançou muito e sem limites, fazendo com que ela obtenha um autoaperfeiçoamento, ultrapassando as leis teóricas da computação. Será que teríamos aqui o nosso Ser autoconsciente com alma?

Para finalizar, é preciso haver uma reflexão não apenas sobre nosso progresso tecnológico, mas também o que queremos como humanidade. Turing, em seu artigo, não consegue concluir se seu experimento realmente respondeu sua pergunta inicial: “As máquinas podem pensar?”. Mas trouxe questões que devemos responder como sociedade: A humanidade quer um ser super inteligente? Ele lembra que o comportamento da máquina requer armazenamento de dados. A mente humana ocupa cerca de 2.305 Petabytes, ou 456.911.414 DVDs, coisa da ordem de 1015 de dados. Será que teremos infraestrutura suficiente para guardar tudo isso e fazer com que gere mais informações?


Para Turing, é mais fácil criar uma inteligência infantil, fazê-la aprender com seus erros e acertos, ao invés de criar uma inteligência adulta. Mas demoraria muito para provar seu experimento. Em O Jogo da Imitação, o Turing é retratado como um cientista que aprende com seus erros, mas segue seus instintos. Duas coisas que todo ser humano faz para perseguir seu sucesso. Ele também mostra que para construir uma máquina que pode salvar o mundo, são necessários seres humanos para construí-la. Em Ex_Machina, o robô passa no teste de Turing, mas para que isso aconteça a máquina deve se comportar realmente como um ser humano, com suas falhas, enganando, fazendo intrigas, criando estratégias para sua sobrevivência. Em Transcendência, mostra a que ponto um ser humano pode chegar se tivesse um poder divino. Ser imortal, ser um Deus, ser algo onisciente, onipresente e onipotente. O maior desejo do ser humano é este, basta lermos sobre as mitologias de cada país para vermos que o desejo da humanidade é se tornar um Ser super poderoso.


Referências:


Turing, A .M. Computing Machinery and Intelligence. Mind, New Series, Vol. 59, No. 236 (Oct., 1950), pp. 433-460. Oxford University Press on behalf of the Mind Association. http://www.jstor.org/stable/2251299. Acessado: 25/04/2022.


JOGO DA IMITAÇÃO. Direção: Morten Tyldum. Produção: Nora Grossman, Ido Ostrowsky, Teddy Schwarzman. Reino Unido: StudioCanal; EUA: The Weinstein Company, 2014. Online.


TRANSCENDÊNCIA: A REVOLUÇÃO. Direção: Wally Pfister. Produção: Broderick Johnson et al. Internacional: Summit Entertainment, 2014. Online.


EX_MACHINA. Direção: Alex Garland. Produção: Andrew Macdonald, Allon Reich, Scott Rudin, Eli Bush, Tessa Ross. Internacional: Universal Pictures, 2015. Online.

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